Franzl Reithammer

Em Dezembro de 1942 sete homens encontravam-se presos na cela n.º 7 da Prisão Militar de Buch, devido aos mais variados motivos. No dia da consoada desse ano estes sete homens iniciaram o processo de contarem, à vez, a sua história pessoal, o que os tinha levado até ali, até aquela situação. Erich Fridrich era um deles e jurou um dia contar as suas histórias. O resultado foi o livro Hitler's Prisoners. Seven Cellmates Tell Their Stories, do qual o relato de Franzl Reithammer aqui descrito e traduzido foi retirado.

Franzl Reithammer nasceu em 1904 na região austríaca de Wachau, perto da cidade de Melck. Cresceu numa pequena aldeia, rural, isolada, onde apenas aos domingos se liam jornais e foi educado num ambiente católico estrito e controlador, onde o padre da aldeia era a mais importante figura local. Depois de casar com uma rapariga (Resi) de uma aldeia vizinha, com a qual teve dois filhos, tudo indicava uma vida pacata e feliz. Mas uma doença estranha que afligiu o seu irmão Kasper levou este até um jovem doutor vienense, Channek, que o operou e o apoiou em todas as formas possíveis, acabando ao mesmo tempo por se aproximar da família de Franzl. Esta aproximação trouxe consigo as ideias e os ideais das Testemunhas de Jeová, pois Channek professava aí. Esta aproximação revelou-lhes um lado negro da Igreja Católica Romana, pois a família de Franzl foi sendo gradualmente banida, proscrita e economicamente vergada pelas comunidades locais da região de Wachau, em especial pelo padre que ainda pouco tempo antes os confessava e visitava. Restou-lhes começar uma nova vida, em Viena (onde já o seu irmão Kasper habitava e agitava as ruas com propaganda antinacional-socialista), junto dos seus novos amigos e companheiros de fé.
O primeiro dos irmãos a receber a carta de conscrição militar na Wehrmacht (o Anschluss já tinha tido lugar) foi Kasper. Este queimou a carta e respondeu por escrito dizendo que era Testemunha de Jeová, logo objector de consciência, e que não participaria em nenhum acto de guerra e em nenhuma morte de nenhum ser humano. Kasper foi preso e desapareceu. Franzl recebeu, por sua vez, pouco tempo depois, a sua carta de conscrição militar. A família reuniu e ponderou as saídas, visto que o cenário que se perspectivava era já infelizmente conhecido. Mas Franzl, com o apoio incondicional da sua mãe e da sua mulher, recusou a fuga e repetiu os passos de seu irmão, escrevendo nova carta onde afirmava não querer de modo algum servir na Wehrmacht.

«Na manhã seguinte parti, de comboio, para Viena. Quanto cheguei ao aquartelamento, já só restavam alguns homens no recrutamento. Quando chegou a minha vez, disse-lhes prontamente que me recusava a servir numa guerra dado que esta ofendia os meus princípios religiosos que me proibem de matar outro ser humano. Mantiveram-me durante dois dias sem água nem comida, antes da primeira audiência em tribunal. Aí, expliquei ao juiz que ninguém me forçaria a carregar uma arma. "Sou objector de consciência, e a minha religião não me permite o acto de matar", disse ao juiz. De seguida, citei a Bíblia, "Não matarás" e "Ama o inimigo como a ti próprio". Era óbvio que o juiz estava irritado quando me perguntou, "Bom, o que nos está a querer dizer é que se recusa a servir nas forças armadas". "Sim, está correcto." "A lei", continuou o juiz, "não está do seu lado, e nós estamos aqui para aplicar a lei. Vou ser brando consigo e vou condená-lo a dois anos de prisão, a serem cumpridos na Alemanha".
Sem poder sequer informar a minha família, fui enviado para Straubing na Baviera e depois transferido para Magdeburg, onde permaneci durante algumas semanas. O meu pior momento foi, no entanto, passado num navio-prisão, no rio Elba, onde os ratos quase nos comeram vivos. Fui obrigado a conviver com assassinos e violadores. Não quero alongar-me muito sobre isso aqui. Depois fui transferido para um campo de concentração infestado de piolhos e pulgas numa região pantanosa do Norte da Alemanha. Ali fiquei durante seis meses. A nossa tarefa era cavar valas nos pântanos para drenar a água para os canais. Também ali a maioria dos prisioneiros eram criminosos de alto nível, daqueles que matariam a própria mãe num piscar de olhos. Escapar era impossível dado que os pântanos estavam eram por arbustos cerrados, e não havia uma aldeia ou acampamento que fosse nas redondezas.
Um dia, contudo, declararam que todos os prisioneiros presos por recusa em servir nas forças armadas podiam solicitar o fim da pena. Quer eu quisesse quer não fui de noc«vo considerado apto para a recruta. Se eles não me tivessem alimentado e tratado minimamente como fizeram na esperança de me tornarem num soldado, eu teria provavelmente perecido naqueles pântanos. Mas as suas tentativas falharam. Eu mantive-me firme nas minhas convicções e recusei que as autoridades me tornassem num assassino.
Durante a minha prisão a minha fé tornou-se mais forte. Rezei constantemente ao Senhor para que me ajudasse a manter a sanidade e a sobreviver a este calvário.
Algemado como um simples criminoso, fui levado a julgamento num tribunal na Turmstrasse em Moabit. Lá fui condenado à morte por subversão da Wehrmacht. Fui informado pelo juiz que podia solicitar uma petição de clemência. O meu advogado de defesa nomeado pelo tribunal aconselhou-mo. Recusei-o redondamente. Disse-lhes que chegaria o dia em que eles é que teriam de pedir perdão perante um tribunal ainda mais elevado. Eu não sou o único a ser perseguido pela sua fé. Centenas antes de mim tiveram semelhante destino. Mas cada um de nós sacrifica alegremente a sua vida, pois através do nosso sofrimento entraremos no reino eterno do nosso mais sagrado Pai.
Agora estou aqui, à espera de saber se estou são ou não [a prisão onde se encontravam presos era igualmente enfermaria e tinha sido antes da guerra uma espécie de hospício]. Estes foram os meus crimes. Mas sabem, o meu caso já está fechado. Sou um homem condenado. Agora é apenas uma questão de como e quando morrerei.»









Esta informação foi recolhida de FRIEDRICH, Erich e VANEGAS, Renate – Hitler's Prisoners. Seven Cell Mates Tell Their Stories; Brassey's, Washington, 1999.



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